quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Mesa com pregos - Kássio Rodrigues

Ainda estamos aqui mamãe;
Essas foram as palavras do Baltasar, um homem feito, 42, barba por fazer, olhos fundos de noites mal dormidas; sonhando às asas do vento, comendo o pão que o diabo amassou.




Ainda suspirando alto, viu-se no semblante de Maria francisca, a amargura de toda uma vida de ilusões, promessas, mas que lhe deram decepções e frustrações. Uma conversa face a face, sobre a mesa de madeira, que machucavam os cotovelos, pelas pontas dos pregos que já ousavam sair ao comando do envelhecer. Tudo sobre a ela: Olhos famintos pela verdade, cânticos presos à garganta, querendo ser liberados por dotes de fraternidade. Uma ceia; de natal! Onde as coisas se acalmavam na infância, já que o papai-noel travestido de ''amigos'' vinha às escuras trazer o pão da manhã, e esse era a maior das alegrias; almas fartas pela companhia sincera de nove irmãos mais a mãe solteira, combinado à barriga cheia pela comida que alimenta homens cruéis e esquecidos pela felicidade. Ainda sentindo o frio da manhã de natal, fiz-me resto; histórias contadas e relembradas; nem todos estavam ali; dos nove irmãos, dois já haviam sido tragados pela terra, outros dois cruzaram os sete mares buscando se encontrar, se perderam na terra do nunca. Outros, adotados pela discórdia, se embebedaram de vinho doce, e se esqueceram das teias que os levavam sempre a mesma casa; de tijolos furados, com um pouco de chapisco para esconder a frieza das paredes, dois quartos; um para os homens, e outro para as mulheres, na sala, que dividia espaço com a cozinha, a mesa velha de madeira, que marcava cotovelos de quem ousasse usá-la, sentando-se em alguns dos dez tamboretes que lhe rodeava; pregos desnivelados que me lembram a dor Jesus na '' via crucis''. Bem, estavam todos lá, alguns na lembrança, outros na ignorância, mudaram por causa das leis da vida, mas são trazidos à memoria a medida que vêm a antiga e mesma dor dos pregos enferrujados.

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